29 de jul. de 2006

Discursos de destruição em massa - por Reinaldo Azevedo, n'O Globo

Se a ONU não fosse inútil, como prova Kofi Annan, eu denunciaria Lula a esta ONG global por fazer discursos de destruição em massa. Destruição de qualquer forma de inteligência política. Na semana passada, o Babalorixá de Banânia vocalizou uma tese um tanto antiga no Brasil: sem uma ampla reforma política, é impossível acabar com a corrupção. Li o que ele disse como ameaça e autojustificação. Concedo que há sistemas políticos que podem ser mais ou menos porosos a práticas ilegais, mas é uma mentira maligna supor que é a estrutura que dá conta da moralidade do processo da vida pública: sempre será o indivíduo. Pode-se perfeitamente ser um homicida compulsivo brandindo as Santas Escrituras como princípio. Pode-se fazer o governo mais corrupto da História do Brasil alegando uma revolução ética.

É Lula quem não me deixa mentir — e, se eu não estou mentindo nessa história, alguém está. Ele está dividindo o palanque eleitoral com mensaleiros e sanguessugas. Quem o obriga a tanto? O “sistema”? Não. É a sua moralidade pessoal que é elástica o suficiente para não ver nisso qualquer problema. Ao contrário: Marco Aurélio Garcia, um faz-tudo que já cuidou de desastres externos e agora cuida dos internos, disse não ver nisso constrangimento. “Constrangimento é não ter voto”, disse ele a este jornal. A fala de Lula é, pois, pura autojustificação. Mas é também uma ameaça.

Se reeleito, é até provável que queira encaminhar uma reforma política. Mas qual? Ora, terá de ser uma compatível com a moralidade reinante no grupo que o apóia, sejam os petistas, sejam aqueles que aderiram ao lulismo, em especial o PMDB de Renan Calheiros e José Sarney. Os adesistas estão como aqueles crocodilos de documentário esperando a passagem da manada de gnus. Um mais tolinho ou mais fraquinho deu sopa, nhoc! São a periferia do novo poder, ao contrário do que dão a entender setores da mídia. A reforma que se vai tentar é uma que atenda aos interesses da nova classe social que chegou ao poder, de que Lula é a grande expressão.

Trata-se, como chamo, dos burgueses sem capital (ou do capital alheio), que tomaram o aparelho estatal e paraestatal — do posto de saúde da esquina aos fundos de pensão — e agora estão dedicados a tornar irrelevantes a democracia e a alternância de poder. Há dias, o sociólogo Francisco de Oliveira, ex-petista, deu a entrevista anual em que anuncia o fim dos tempos. Ele diz que a política se tornou inútil porque o país é governado pelo mercado financeiro. Conversa mole. É a esquerda radical frustrada com Lula. O PT se esforça para tornar irrelevante a política, mas o financismo é apenas o outro grupo de jacarés que se alimenta à beira do lago. Lula vai lhe dando gnus enquanto prossegue a marcha petista.

A versão tropical do Moderno Príncipe percebeu que a melhor garantia que tem de permanecer no poder — mesmo que venha a perder as eleições presidenciais — é oficializar no país o apartheid social, esforçando-se para ter, ao mesmo tempo, o monopólio do discurso que o denuncia. Lula faz do Bolsa Família a sua “indústria da seca” e cria uma categoria de cativos eleitorais miseráveis, aos quais fala diretamente, os quais incita, classificando os “outros” (os “burgueses”?) de inimigos. Não é a revolução. É só a demagogia a serviço do atraso. Ele recebe em palácio o movimento que depredou o laboratório da Aracruz e ouve, com sinais de assentimento, uma peroração em favor da luta de classes. Embora o nosso Lenin alimente, diligente, os jacarés e deprede a História. Segundo ele, é melhor banqueiro lucrar com juros do que com o Proer. O Proer, no governo FHC, fez de seus netos uns sem-banco. O modelo de Lula fez do filho um milionário.

Não, senhores! Não há lei, modelo ou sistema que possa substituir a moral privada. A História pode, eventualmente, explicar por que uma pessoa decente foi parar num lupanar. Mas só as escolhas individuais farão a devida genealogia do seu gozo ou do seu sofrimento. Lula faz o que faz porque quer. Porque gosta. Porque sente prazer.

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