Um dos mais respeitados especialistas da língua portuguesa condena os colegas que se insurgem contra a norma culta e diz que disseminá-la é crucial para o país avançar.
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http://www.youtube.com/watch?v=LUQFzMIGKo0 - acesse este link e assista o vídeo de 28:30min.
O pernambucano Evanildo Bechara é um dos mais
respeitados gramáticos da língua portuguesa. Doutor em letras e autor de duas
dezenas de livros, entre os quais a consagrada Moderna Gramática Portuguesa,
Bechara, de 83 anos, passou décadas lecionando português, linguística e
filologia românica em universidades do Rio de Janeiro, da Alemanha e de
Portugal. Membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), ele é, por profissão,
um propagador do bom uso do português. A fala mansa de Bechara contrasta com o
tom incisivo de suas críticas a certa corrente de professores entusiastas da
tese de que é "preconceito linguístico" corrigir os alunos. Diz
Bechara: "Alguns de meus colegas subvertem a lógica em nome de uma
doutrina que só serve para tirar de crianças e jovens a chance de ascenderem
socialmente".
A defesa que o livro Por uma Vida Melhor,
distribuído a 500.000 estudantes ao custo de milhões de reais para o bolso dos
brasileiros, faz do uso errado da língua deveria ter provocado uma revolta
maior, não?
A defesa que foi feita desse livro decorre de um
equívoco. Estão confundindo um problema de ordem pedagógica, que diz respeito
às escolas, com uma velha discussão teórica da sociolinguística, que reconhece
e valoriza o linguajar popular. Esse é um terreno pantanoso. Ninguém de
bom-senso discorda de que a expressão popular tem validade como forma de
comunicação. Só que é preciso que se reconheça que a língua culta reúne
infinitamente mais qualidades e valores. Ela é a única que consegue produzir e
traduzir os pensamentos que circulam no mundo da filosofia, da literatura, das
artes e das ciências. A linguagem popular a que alguns colegas meus se referem,
por sua vez, não apresenta vocabulário nem tampouco estatura gramatical que
permitam desenvolver ideias de maior complexidade - tão caras a uma sociedade
que almeja evoluir. Por isso, é óbvio que não cabe às escolas ensiná-la.
Alguns de seus colegas consideram a norma culta um
instrumento de dominação das elites...
Isso não passa de ortodoxia política. Eles subvertem
a lógica em nome de uma doutrina. É semelhante ao que uma corrente de comunistas russos apregoava quando Josef Stalin (1879-1953) chegou ao poder. Os comunistas queriam estabelecer algo como "a nova língua do partido", um absurdo que enterraria a norma culta. O próprio Stalin condenou essa aberração e manteve a norma erudita, o imenso manancial dos grandes escritores russos, como a língua oficial da União Soviética. Agora, um grupo de
brasileiros tenta repetir essa mesma lógica equivocada, empenhando-se em
desvalorizar o bom português.
Qual o papel da norma culta de uma língua?
Não resta dúvida de que ela é um componente
determinante da ascensão social. Qualquer pessoa dotada de mínima inteligência
sabe que precisa aprender a norma culta para almejar melhores oportunidades.
Privar cidadãos disso é o mesmo que lhes negar a chance de progredir na vida.
Para mim, o linguista italiano Raffaele Simone, ainda em atividade, foi quem
situou esse debate de forma mais lúcida. Ele critica os populistas que, ao
fazer apologia da expressão popular, contribuem para perpetuar a segregação de
classes pela língua. Pois justamente é o ensino da norma culta, segundo
Raffaele, que ajuda na libertação dos menos favorecidos. Suas palavras se
encaixam perfeitamente no debate atual.
Quais as raízes do ranço ideológico brasileiro?
Vemos resquícios de um movimento que surgiu no meio
acadêmico na década de 60, pregando a abolição da gramática nas escolas. Eram
tempos de ditadura militar, período em que, por princípio, se contestava
qualquer tipo de norma ou autoridade. Para se ter uma ideia, agitava-se nas
universidades a bandeira "é proibido proibir". Isso ecoava nos
colégios - um verdadeiro desastre. Foi nesse contexto que começaram a estudar
no Brasil a sociolinguística. Em diferentes tempos e sociedades, os estudiosos
sempre estiveram atentos aos diferentes usos da língua. A primeira gramática
portuguesa, que data de 1536, já apontava tais variantes. Só que, repito, essas
são teorias que nunca deveriam ter deixado as fronteiras da academia. O próprio
Mattoso Câmara (1904-1970), a quem se atribui a introdução da linguística no
país, já alertava para os perigos na confusão de papéis entre teóricos e
professores.
Esse tipo de debate é levado à sério em algum outro
país?
Nenhum país desenvolvido prega a desvalorização da
norma culta na sala de aula ou inclui esse tipo de ideia nos livros didáticos.
Esse desserviço aos alunos e à sociedade como um todo só encontra eco mesmo no
Brasil.
Como o domínio disseminado da norma culta da língua
pode contribuir para o avanço do país?
Antes de tudo, formando cidadãos mais capacitados
para preencher vagas que demandem alta qualificação, algo crucial para a
economia. Ao questionar a necessidade do estudo da gramática nas escolas do
país, linguistas como Marcos Bagno e tantos outros estão nivelando por baixo o
ensino do português. Acabam reduzindo com isso as chances de milhões de
estudantes aprenderem a se expressar com correção e clareza, tanto na escrita
quanto na fala. A história reforça a importância disso. Ela é farta em exemplos
de como uma oratória eficaz, por exemplo, pode catapultar carreiras.
Essa capacidade tem atualmente mesmo valor que no
passado?
O domínio da língua falada vem sendo um importante
instrumento para protagonismo na vida pública desde a Antiguidade. Os principais
líderes políticos sempre dominaram a língua falada. No auge da democracia
clássica grega, valorizava-se tanto a oralidade que as primeiras disciplinas
que uma criança aprendia na escola eram lógica, gramática e retórica. Em Roma,
os inimigos do estadista e filósofo Marco Túlio Cícero (106 a.C. a 43 a.C.) o
mataram e sua língua teria sido cortada como vingança contra seu poder como
orador. A norma culta bem falada persiste como um valor nas sociedades modernas.
O excelente domínio do inglês revelado por Winston Churchill (1874-1965) foi
instrumental em sua brilhante carreira, lembrada por discursos que mesmerizavam
as audiências.
Como se explica a eficácia do discurso cheio de
erros de português do ex-presidente Lula?
Apesar das frequentes incorreções, Lula faz parte
do grupo de políticos com grande ler de retórica. Os erros o aproximam do povo,
uma vez que como ele, a maior parte dos brasileiros também passa ao largo da
norma culta. Isso faz com que se identifiquem com seu discurso. Não significa
que as pessoas devam ter Lula como um modelo. Para conquistar um bom lugar no
mercado de trabalho, o pré-requisito principal é que elas não saiam por aí
dizendo "Nós pega o peixe", versão ensinada no livro distribuído às
escolas pelo Ministério da Educação. É preciso que se atente ainda para outro
fato: além de divulgarem um discurso que funciona na prática como um obstáculo
à evolução dos indivíduos, os teóricos brasileiros que pregam o que chamo de
mesmice idiomática atrapalham o próprio progresso do idioma. O resultado é que
o Brasil está ficando para trás nesse campo.
De que maneira?
Quanto mais a norma culta de uma língua é
praticada, mais esse idioma e sua gramática evoluem. Para dar a dimensão de
nosso atraso nessa área, a academia espanhola acaba de publicar uma gramática
de 4.000 páginas. O volume mais extenso que temos no Brasil possui 1.000
páginas, um quarto do tamanho. Um país que se pretende globalizado não pode se
dar o direito de empobrecer seu idioma. As línguas mais difundidas no mundo são
justamente aquelas mais avançadas do ponto de vista gramatical. É o caso do
francês e do inglês. As pessoas costumam dizer que a língua inglesa é simples
demais, mas isso só vale para certos aspectos. Sua fonética e o emprego que
exige das preposições são complicadíssimos. O vocabulário inglês é extremamente
rico. Afinal de contas, estamos falando do produto de uma cultura humanística e
científica notável.
Por que tantos brasileiros falam e escrevem tão
mal?
O domínio do idioma é resultado da educação de
qualidade. Isso nos falta de maneira clamorosa. O ensino do português nas
escolas é deficiente. Uma das razões recai sobre o evidente despreparo dos
professores. É espantoso, mas, muitas vezes, antes de lecionarem a língua, eles
não aprenderam o suficiente sobre a gramática. Além disso, não detêm uma
cultura geral muito ampla nem tampouco costumam ler os grandes atores, como
faziam os antigos mestres. A verdade é que a maioria não tem vocação para o
magistério. Só escolhe essa carreira porque, quando chega o momento de
ingressar na universidade, ela é uma das menos concorridas no vestibular. A
situação do mercado de trabalho também conspira contra a permanência dos
melhores professores nas salas de aula. Por falta de incentivos, muitos
abandonam o magistério para se empregar na iniciativa privada como revisores,
tradutores e editores.
A adoção de palavras estrangeiras no Brasil é
exagerada?
Sou a favor de combater os estrangeirismos que nada
acrescentam à riqueza da nossa língua. Não faz sentido nenhum usarmos
"delivery" no lugar de entrega ou "coffee-break" para nos
referir a intervalo. Esse hábito é fruto de um esnobismo cultural. Mas também
não endosso a tese de que, por definição, os vocábulos estrangeiros corrompam a
pureza da nossa língua. Eles podem até enriquecê-la à medida que ajudam na
expansão do vocabulário. O idioma que acolhe uma palavra de outra língua tende,
inclusive, a lhe emprestar características próprias. Só para citar um caso,
hoje não escrevemos mais "yacht", em inglês, mas, sim, iate.
Não há excesso de reformas ortográficas no Brasil?
É verdade que muitos países jamais passaram por
reformas ortográficas. No Brasil, elas tiveram os mais diversos propósitos e,
apesar de certa confusão que acarretaram no princípio, acho que acabaram
trazendo benefícios para a língua. As primeiras mudanças ocorreram no início do
século XX, impulsionadas por uma necessidade didática. O português era, então,
erudito demais. Com as mudanças, a ideia era distanciá-lo do latim, tornando-o
mais acessível ao homem comum. Já a última reforma, que passou a vigorar em
2009, envolve interesses políticos e comerciais. A língua portuguesa é a única
que tem duas ortografias oficiais - a do Brasil e a de Portugal. Parece razoável
unificá-las para simplificar a redação de documentos e contratos
internacionais.
A internet está empobrecendo a língua culta?
Não vejo a coisa dessa maneira. Se uma criança for
bem apresentada à norma culta na escola, vai saber utilizá-la quando
necessário, fora do ambiente da rede. Na internet, de fato, pratica-se uma
linguagem muito particular, repleta de abreviações e símbolos no lugar de
palavras. Tal modo de expressão é só mais um dentre tantos outros que uma mesma
pessoa é capaz de assimilar. O maior perigo da rede, a meu ver, é de natureza
distinta. Preocupa-me que ela tome de crianças e jovens um tempo precioso em
que eles poderiam estar debruçados sobre os livros - e aprimorando assim o bom
português.
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Eu, Welington, acho graça de alguns intelectuais bocós que teimam em grafar Sítio no lugar de Site.
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Eu, Welington, acho graça de alguns intelectuais bocós que teimam em grafar Sítio no lugar de Site.
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